terça-feira, 13 de setembro de 2011

29° capítulo

 Lembranças Desagradáveis
           Respirando com dificuldade, Allan escutava murmúrios, não tinha certeza se eram vozes reais. Não via mais nada, no meio dos sons, distinguiu a voz de Christian, mas não o Christian que acabara de salvá-lo, mas uma versão mais nova do próprio irmão.
- De novo!
    Chris gritava, com uma raiva disfarçada.
- Conseguiu estragar tudo! De novo!
Um garoto um pouco menor, chorava, encolhido em um canto, Allan o avaliava, tinha os cabelos loiros e encaracolados, olhos esverdeados, seus traços eram infantis, mas era alto o bastante para ter 12 anos. 
O menino soluçava, parecia tentar atravessar a parede na qual se apoiava, seu rosto estava inchado e encharcado. Ele não olhava para Christian, mas sim para os garotos que riam atrás dele, alguns sussurravam insultos e xingamentos contra o menino que chorava.
Allan sentia na voz de seu irmão, uma certa pena, assim como ele próprio sentia a respeito do rapaz no chão. Buscou na memória, mas não se lembrava de nenhuma briga que o irmão tivesse enfrentado, não conseguia pensar em tanta maldade vinda de Chris, principalmente direcionada à um estranho. Chris ainda gritava:
- Desaparece! Vai embora e me esquece!
Um dos garotos atrás de Christian brincava com um canivete, diferentemente de todos que riam, assobiava desinteressado na cena.
Foi então que Allan pensou, talvez o menino não fosse um estranho, o garoto, com os cabelos naquele mesmo tom de loiro, de quando Allan tinha 9 anos.
Então ele lembrou, lembrou daquele dia, que tentara apagar de sua memória.
Naquele ano, tinham mudado de escola, Allan e seus dois irmãos estavam nervosos, mas felizes. No carro, a despedida, saindo por portas diferentes, Karen, com a mãe, foi por um lado, Christian, seguido de perto por Allan, foi por outro lado, ele dizia:
- Para com isso, a Karen é mais nova e não é tão medrosa!
Allan não ligava, não tinha medo, mas vergonha, e não fazia ideia de para onde ir, só deixou o irmão depois que encontrou sua sala. Entrou em silêncio, durante as aulas, avaliava os colegas, que pareciam todos iguais, garotas que só falavam de garotos e garotos que só falavam de futebol, Allan não gostava de futebol, então não fez amigos no primeiro dia. 
Quando chegou o intervalo, procurou seu irmão, que estava em uma roda grande, com muitos garotos, Allan entrou na roda e abraçou o irmão:
- Tudo bem?
Christian levantou os braços e perguntou:
- O que é isso? Me larga, Allan! Tenho que voltar para a sala! 
Empurrou o irmão e fez sinal aos amigos para que fossem embora, todos se mexeram, depois de algum tempo, Christian se virou e piscou para Allan, que murmurou levemente:
- As salas ficam para o outro lado...
Quando voltou para a sala, sentou o mais longe possível de todas as pessoas,
mas seu irmão passou na sala para lhe desejar boa sorte, o que o animou. Ele tentou conversar, perguntando: 
            - Alguém gosta de basquete?
            A maioria dos garotos, fez cara de nojo, alguns tentaram ser mais amigáveis, dizendo "Não, futebol é mais legal", mas logo viravam para o outro lado.
            Quando a aula terminou encontrou a irmã e a mãe o esperando na porta do colégio, a mãe perguntou:
            - Como foi a aula?
            Allan só balançou a cabeça positivamente, mas a mãe não havia se convencido, mesmo assim, soube respeitá-lo, e mudou de assunto.
             - Onde está seu irmão?
            Allan levantou a cabeça depressa.
            - Quer que eu o procure?
           A mãe sorriu, olhou ao redor e disse:
           - OK! Mas esteja aqui em 5 minutos, senão ficarei preocupada!
           Allan concordou, deixou a mochila aos pés da mãe e correu para dentro, gritava por toda parte "Chris!", "Christian!", encontrou-o novamente na roda de amigos, todos rindo histericamente. Allan falou mais alto que as risadas:
          - Chris, a mamãe está nos esperando lá fora! Por que não foi para lá?
          Christian parou de rir no mesmo instante, assim como metade dos amigos, sua primeira reação foi gritar:
         - Cale a boca!
       Saiu de roda, despedindo-se dos amigos e empurrando Allan para fora. Allan perguntava "O que eu fiz"?
        Quando encontraram a mãe, ela sorriu novamente, mas não fez nenhum comentário.
        Durante vários dias, essa foi a rotina de Allan na escola, mesmo depois de duas semanas, ainda não tinha nenhum amigo, não procurava mais Christian nos intervalos, mas sempre no fim da aula.
       Certo dia, aquele dia, Allan estava procurando Christian, já estava procurando há mais de 10 minutos, e sabia que a mãe ficaria preocupada, estava voltando para o carro, quando viu o irmão, entrando em uma sala vazia, com os amigos e uma garota. Allan entrou, e se surpreendeu.
      - Chris, por que a está beijando? 
    Christian levou um susto, soltou a garota e perguntou "Allan?", a garota, sentindo-se ofendida, foi embora, os amigos de Christian se juntaram atrás dele.
Allan viu, naquele momento, algo nos olhos do irmão, Christian hesitou, mas ao olhar para os amigos, tinha certeza do que deveria fazer, agarrou a camisa de Allan e jogou-o contra a parede, gritando:
- De novo! Você estragou tudo de novo!
A raiva de Christian era tanta, que Allan não pode fazer nada, apenas chorava, tentava conversar, mas era inútil.
- Desaparece! Vá embora e me esquece!
Allan realmente queria desaparecer, nunca tivera problemas com Christian, mas agora sentia a raiva em sua voz, não olhava para o irmão, o que mais chamava sua atenção eram os amigos que riam de seu desespero, mais chamativo ainda, era o menino que girava um canivete entre os dedos, assobiando, Christian ainda gritava:
- Você sempre estraga tudo, Allan! Sempre!
O menino parou de assobiar, pigarreou e jogou o canivete para Christian, que olhou o que estava em sua mão, depois arregalou os olhos para o amigo.
- M-Meu irmão...
O menino levantou os ombros.
- Quer mesmo entrar?
Ainda com raiva nos olhos, Christian se virou para Allan, abrindo o canivete.

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